Sexta, 21 de Março de 2025 17:50
Brasil Crônica

A importância de ser Prudente

Celebremos a dádiva de ficar calados às vezes

10/02/2025 20h16
Por: Alex Cavalcanti
Silencioso e mortal, um raio corta o céu de SP em mais uma tempestade de verão. Reprodução @Sp4You
Silencioso e mortal, um raio corta o céu de SP em mais uma tempestade de verão. Reprodução @Sp4You

Lançada em 1895, a peça do irlandês Oscar Wilde cujo título tomo emprestado aqui reúne uma série de personagens metidos em trapalhadas pela falta de sintonia entre quando falar e quando calar; todos em órbita do protagonista nomeado pelo adjetivo que poucos de nós mereceríamos hoje. Ao longo das últimas semanas, uma série de declarações indefensáveis da equipe de Emilia Pérez, o principal concorrente do nosso Ainda estou aqui no Oscar me faz pensar: aparentemente o ser humano perdeu a capacidade de ficar quieto (ou pensar antes de abrir a boca).

 

Dentre as pérolas do diretor francês Jacques Audiard “o espanhol é uma língua de pobres e de imigrantes” ou “não era necessário pesquisar nada do México além do que eu já sabia”. Tudo isso e muito mais sobre o idioma e a cultura do país no qual se passa a maior parte do seu musical com 13 indicações ao Oscar deste ano. Isso sem falar de abordar temas como o narcotráfico ou transição de gênero de forma rasa (para dizer o mínimo). Claro, é preciso separar criador de criatura e cada um é livre para dizer o que bem entender e ponto final. Preconceito - de qualquer tipo - também é inaceitável hoje e estamos conversados. Essas e outras declarações, assim como o resultado final em duas horas de ação tornam mais do que justas as críticas quase unânimes sobre os clichês e estereótipos distantes anos-luz da realidade mexicana e que tiram a credibilidade do filme. Tudo isso me leva pensar muito a respeito.

 

Uma obra de ficção, como está claro, não precisa ser 100% verdadeira, afinal não se trata de um documentário ou de uma reportagem jornalística, a questão passa a ser resumida em uma só palavra: plausibilidade. Ao rodar o clássico Casablanca, Michael Curtiz não precisou ir até a África para nos envolver com o romance entre Humphrey Bogart e Ingrid Bergman; uma pesquisa acurada e uma boa dose de talento e técnica nos levaram até a cidade marroquina e a esquecer que víamos cenários construídos na Califórnia. Tamanho compromisso e respeito ao público e ao enredo nos mostram: criador e obra estão intrinsecamente ligados e detalhes separam obras-primas de produções (e profissionais) que podem até fazer  algum barulho momentâneo, mas logo cairão no esquecimento.

 

Como desgraça pouca é bobagem, a protagonista de filme, Karla Sofía Gascon - em uma falta de media training injustificável para alguém neste grau de exposição – acusou (sem provas, claro) a equipe da sua concorrente ao prêmio do melhor atriz, a nossa Fernanda Torres – que já foi tema aqui da coluna – de falar mal dela e de Emilia Pérez. Logo depois, em um plot twist digno do melhor roteiro hollywoodiano, veio à tona uma série de tweets nem tão antigos nos quais a artista espanhola conseguiu a rara proeza de ofender a tudo e a todos, incluindo alguns dos seus colegas de elenco. Resultado: execração pública e ostracismo em um momento que deveria ser histórico. That’s all, como diria Miranda Priestly.

 

Não sou a favor de linchamentos virtuais e todos nós - eu também - falamos muita bobagem e em algum momento, intencionalmente ou não, desrespeitamos ou ofendemos alguém. Claro, também podemos fazer mea-culpa, nos desculparmos e mudarmos a forma de pensar/agir. E vida que segue. Até agora, apenas a atriz fez isso.

 

Eu também já estive no time dos implacáveis. Artilheiro do Sarcasmo F.C, um só chute e ia por terra o coleguinha e os seus feitos. Muitas inimizades depois, descobri a força e o poder do silêncio. A diferença abissal também entre o que posso dizer protegido pelas quatro paredes da minha casa, em uma mesa de bar, em uma entrevista ou no tribunal da internet. Tudo isso me faz lembrar de uma das melhores lições da infância: se você não tem nada que melhore o silêncio, o melhor  mesmo é ficar de boca fechada.

 

Em um mundo cada vez mais polarizado (louco mesmo) e com tanto ódio, hoje eu prefiro gastar o meu tempo e a minha energia com aquilo que eu gosto – o que desgosto, deixo de lado, esqueço, ignoro, trato com um silêncio glacial. Ele, bem mais eloquente do que as palavras. Espero que todos nós possamos logo redescobrir a importância de sermos prudentes com aquilo que dizemos e fazemos na internet ou fora dela e como na música do Depeche Mode, voltemos a apreciar o silêncio.

2 comentários
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Alex CavalcantiHá 1 mês São Paulo-SPObrigado Kelly!!! Uma honra ter vc como leitora.
KellyHá 1 mês João Pessoa - PBO texto traz toda sensatez que tanto precisando nesse mundo polarizado (louco mesmo). Sua coluna sempre nos traz uma ótima dose de lucidez em meio ao caos virtual. Cirúrgico! ????????
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