Cresci com uma tradição bem assentada: toda noite, depois do jantar, nos reuníamos em volta da TV para assistir à novela. Como milhões de brasileiros ao longo dos anos, acompanhava aquelas histórias e aqueles personagens, ora rindo ou chorando. Noveleiro raiz, confundia ficção com realidade a ponto de odiar o ator por quem ele interpretava – para vocês terem uma ideia, tenho ranço da Regiane Alves até hoje pela Dóris de Mulheres Apaixonadas.
Assim, eu e outros tantos ficamos meio felizes e temerosos com a confirmação do remake desta que é considerada a melhor novela de todos os tempos. Afinal, mesmo sem ter o hábito de acompanhar folhetins, quem nunca ouviu falar de Odete Roitman? Já tinha visto as falas icônicas e graças a essa maravilha chamada streaming, pude descobri-la inteira. Mais assustador do que a possibilidade de estragarem com esse clássico foi ver que uma trama com mais de 30 anos continua assustadoramente atual. Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères escancararam um Brasil ainda com vergonha ou medo (ou ambos) de se olhar no espelho.
E falando de reflexos, poucas vezes nos vimos de forma tão nítida. Afinal, quem nunca, pelo menos uma vez na vida, não se sentiu traída e humilhada por quem mais amava como aquela mãe? Ou disposta a tudo para vencer, como aquela filha pródiga? Ou com a inabalável fé de todo brasileiro, acreditando de que no final das contas, tudo vai dar certo, como o fiel escudeiro Poliana? Ou como dona Odete, com vontade de só esculhambar (com muito estilo, bien sûr) a tudo e a todos? E a pergunta, tão atual agora quanto era em 1988: afinal, vale tudo mesmo neste país?
Daí a magia desta trama, de toda (boa) novela: fazer ficção, mas sem separar-se do real. Nos fazer rir e chorar, mas pensar também. Porque novela não é só panis et circenses, é arte, é sociologia, é história, é política. Nos anestesiamos da nossa rotina e com a ajuda delas procuramos esquecer a dureza, mas também lembrar da realidade. Afinal, no fundo todos nós queremos um último capítulo pleno no qual os mocinhos são recompensados e os vilões, punidos.
Espero do fundo do coração que a Manuela Dias, como boa escritora que ela é, tenha a sensibilidade de fazer só as alterações mínimas necessárias neste texto que como todo clássico, é extremamente atual. E que reencontremos este Brasil que está aí, nos restaurantes, nas filas, nas ruas desta minha cidade, da sua cidade, de todas as cidades,
embalados pela voz imortal da Gal Costa a nos convidar a mostrar uma vez mais, a nossa cara.
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