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Brasil Crônica

Todo dia, 14 de abril de 1912

Vivemos em um Titanic prestes a afundar

14/04/2025 15h24 Atualizada há 1 dia
Por: Alex Cavalcanti
Bombeiros utilizam bote para ajudar moradores em meio ao alagamento provocado pelo forte temporal que atingiu o bairro da Pompeia, região oeste da cidade de São Paulo, na sexta-feira 24/01/2025 — Foto: MARCELO D. SANTS/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Bombeiros utilizam bote para ajudar moradores em meio ao alagamento provocado pelo forte temporal que atingiu o bairro da Pompeia, região oeste da cidade de São Paulo, na sexta-feira 24/01/2025 — Foto: MARCELO D. SANTS/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Vivendo em uma cidade onde a tragédia é sempre iminente e que pode submergir depois de alguma trovoada mais forte, não é de estranhar o meu fascínio pelo Titanic. Vi o filme quando era criança, anos depois do lançamento e ainda mexe com a minha imaginação e me enche de horror esta história na qual ficam óbvios o melhor e o pior do ser humano. Esta tragédia é antes de tudo uma alegoria sobre todos nós.

Quem nunca ouviu sobre os músicos tocando até o último momento para acalmar os passageiros?  Ou a metáfora “o capitão deve afundar com o seu navio”. Houve também histórias menos conhecidas, porém não menos heroicas: os trabalhadores alimentando as caldeiras até quando foi possível para garantir eletricidade durante a evacuação. Todos perecerem no naufrágio. Ou da passageira que, ao ter recusado em um dos botes o embarque do seu cão, única companhia dela no mundo, preferiu ficar com ele. Nas semanas seguintes, passageiros de outros navios na mesma rota viram ela ainda abraçada com o cãozinho, como no momento final dos dois. Lembro também de ler sobre um passageiro japonês que tendo sobrevivido ao desastre, foi tratado não como herói ao regressar para sua cidade natal. Na cultura nipônica era inadmissível que ele tivesse sobrevivido e assim, tomado o lugar de uma criança ou de uma mulher. 

Me pergunto hoje se nós, como bons viciados em telas, filmando absolutamente tudo e sempre exigindo o nosso lugar na janela, respeitariam a regra mulheres e crianças primeiro. Quantos de nós não passariam por cima de quem quer que fosse para garantir um lugar em um bote salva vidas? Não seria estranho alguém vender um lugar neles também. Já virou meme a imagem de uma multidão à deriva, mas com telefones em punho para registrar cada momento do naufrágio. E haveria as infames dancinhas e a caçada ao engajamento enquanto tudo ia a pique.

Basta assistir qualquer noticiário para saber: esta é uma história bem atual. Não se enganem, de certa forma, estamos todos naquela madrugada gelada no meio do nada e em escuridão quase total. A água entra cada vez mais rápido e a maioria não vai se salvar, embora não saibam disso. E como no filme do James Cameron, esperamos todos por uma absolvição que jamais virá.

Antes de me acusarem de melodramático, ou pessimista, também enxergo o lado bom das coisas: há o heroísmo, a generosidade e o senso de dever, mesmo em meio ao caos. E existe sobretudo essa imensa resiliência humana, mesmo em face da pior das tragédias.

Em um documentário que assisti uma vez, um dos estudiosos do tema falou que o nosso mundo é um grande Titanic, onde há uma colisão e um naufrágio inevitáveis, não há botes para todos e no qual os mais privilegiados sempre encontrarão uma forma de salvar-se. E haverá heróis, covardes e omissos, sobreviventes ou não - resta saber em qual grupo nós estaremos.

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