Beatriz Segall foi uma Odete inesquecível e ninguém nunca vai fazer igual. Da mesma forma, Débora Bloch, como a atriz estupenda que é, dará o seu toque para a personagem e será um acontecimento também. Esclarecido isso, vamos aos fatos: quem não ama odiar uma boa vilã? Algumas delas tornam-se maiores do que a história da qual vieram e transformam-se em ícones. Se os ianques têm as megeras interpretadas pela Bette Davis, yes, nós temos dona Odete, este patrimônio da cultura pop nacional.
Desde que me entendo por gente me sento na frente de uma tela e acompanho histórias e desde sempre também, me fascino por essas personagens que, inconformadas com o próprio destino, põe-se elas mesmas a guiar o seu, movimentando a trama. Se lhes são fechadas as portas, elas as abrem com um bom pontapé, livres das amarras éticas às quais procuramos nos prender. Do figurino da Cruella DeVil ao sarcasmo da Malévola, eu amava as vilãs, essas personagens que diziam o que eu queria dizer. Algumas delas, ninguém escreveu melhor do que Gilberto Braga, esse nosso Balzac verde e amarelo.
A maior delas vocês já sabem quem é. Odete andou para que Nazaré Tedesco e Carminha pudessem correr. E que corrida. Como esquecer de pérolas como "Isto é banzo, minha filha!" "Até a voz dela é suburbana" ou " não tenha medo do frio, isso é muito jeca" dentre tantas outras que eu sei decoradas. Quem nunca, em alguma situação não se viu quase obrigado a dizer algo assim? Quem nunca ouviu coisa parecida? Não se enganem meus amigos, vem daí a inspiração.
Dona Odete não deitava pra ninguém. Hoje, ela não seria cancelada e sim presa – ainda bem. Mas vestia-se divinamente, era segura de si e tinha sempre a palavra certa no momento certo - ou no francês que ela amava citar, le mot juste. Odete também só pensava em si mesma e não media esforços para conseguir o que queria. Também não dispensava uma boa sacanagem. Não te lembra alguém, caro leitor? Às vezes, basta só olhar no espelho: quem, ao menos uma vez na vida, não agiu com egoísmo, arrogância ou crueldade pura? Na certa, você, como eu, conhece alguém exatamente assim.
Odete não é só uma personagem de ficção, ela é um traço cultural tão brasileiro quanto o samba e a caipirinha: é a nossa elite atrasada, má e burra que salvo raros intervalos, nos governa desde 1500. Das capitanias hereditárias às negociatas de Brasília, o mesmo ideal está lá: primeiro eu e foda-se todo o resto. Assim foi e (infelizmente) será, sabe-se lá por quanto tempo. Lúcida dentro da sua loucura, dona Odete falava também coisas que o brasileiro precisava - e ainda precisa - ouvir, embora sem toda aquela empáfia.
Afinal, somos o país onde sempre se dá um jeitinho. Onde para tudo há uma desculpa, e lugar no qual as maiores tragédias e violências são normalizadas. Tanto preconceito e maldade seriam mesmo só coisa de novela? A arte entretém, anestesia, educa e nos faz pensar. Também é infinitamente útil: nos ajuda por exemplo, a entender uma Odete Roitman e reconhecê-la não apenas como personagem de novela, mas como aquele colega, vizinho ou parente que todos nós temos. Reconhecido isso, não eleger uma Odete nas eleições é o próximo passo. Mas isto já é cena de um próximo capítulo.
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